Meus Carros – O do meu pai

O carro do meu pai. A minha primeira experiência com ronco de motor e cheiro de gasolina queimada. Inesquecível, cheio de histórias.

Um Dodge Kingsway 1951 Station Wagon, que a gente chamava de “Perua Dodge”. Um carrão americano, enorme e cheio de estilo e de vontades. Acompanhou tanto tempo a nossa família que deixou de ser simplesmente um carro, foi um dos nossos, sofreu e compartilhou alegrias. Gosto de pensar assim, carros não são máquinas frias, tem sentimentos, dias bons e ruins, alguns são sempre simpáticos, outros são mal humorados. Gosto de carros sorridentes, como aquele belo sorriso gringo que a nossa Perua Dodge estampava.

A nossa era temperamental. Às vezes se negava a chegar ao destino, hoje penso que sua personalidade era tão forte que era a única a ter coragem de discordar do meu pai, mudando o que ele planejava. Talvez preferisse parar no meio do caminho e nos proporcionar um piquenic num posto de gasolina de beira de estrada, ou simplesmente ficava cansada e preferia voltar para casa debruçada sobre um guincho, nos deixando ainda mais animados, apesar do mau humor do meu pai.

Uma viagem de carro naquela época, mesmo que curta, era certeza de aventura. Sabíamos a hora que saíamos de casa, mas nunca podíamos prever quando e nem menos se chegaríamos. Quando minha mãe anunciava que iríamos passear no fim de semana, ficava todo empolgado. Pouco me importava o destino, não me interessava se iríamos para a casa de um tio próximo ou se cruzaríamos o estado, o que me importava era o tempo que ficaria no carro, admirando as ruas pela janela apressada, apontando para cada carro que via na rua, gritando para mostrar para todos que sabia qual era a marca e o modelo. Na véspera, minha mãe preparava coxinhas, pastéis, pães e um monte de outras delícias, para nos abastecer durante o caminho, pois contava com a possibilidade de ficarmos parados, por um tempo que só a perua sabia.

O carro era enorme, abrigava a todos com um certo conforto e, apertando um pouquinho, dava pra encaixar primos e tios. Num domingo saímos bem cedo para um passeio típico de uma família católica, juntos com primos e tios, seguimos rumo à cidade de Aparecida. Não sei até que ponto chegamos, mas conheci cada posto de gasolina da Dutra. Muitos anos mais tarde, quando meu pai comprou um Fiat 147 novinho, levou meus tios para o passeio, pagando essa dívida, mas claro que todos nós, incluindo os primos, ficamos em casa.

Mas a história mais curiosa que passei nessa Perua Dodge se deu quando minha irmã nasceu, no começo de 1973. Sozinho com os 3 filhos e querendo visitá-la na maternidade, meu pai ordenou que nos arrumássemos para sair. Sem minha mãe por perto, vesti uma roupa qualquer e me enfiei no carro. Um dia de verão escaldante, o banco de corvin colava na pele. Seguimos, saindo da periferia da zona norte em direção ao centro de São Paulo. Tudo ia bem até que no meio de um trânsito caótico, que já existia na época, justamente no ponto mais baixo do “Buraco do Adhemar”, no Anhangabaú, entre DKWs, Fuscas, Kombis e Corcéis, a Perua resolveu engasgar e morrer. Nada a tirava do lugar, era enorme e pesada, impossível empurrá-la para frente ou para trás. Um guarda de trânsito, irritadíssimo com o transtorno que estávamos causando, ordenou a um motorista de Kombi, aquela corujinha, que encostasse na traseira do nosso carro e nos empurrasse para fora. Até hoje lembro da cara irritada do sujeito, praticamente colado ao nosso vidro de trás, gritando muitos palavrões, ensopado de suor. Nos tirou para fora e nos deixou no meio de um entroncamento enorme, acho que naquela convergência entre a 23 de Maio e a 9 de Julho. Não havia semáforo, um guarda ficava numa torre amarela, no meio do cruzamento, apitando e apontando freneticamente os braços, tentando reger o caos.

Com uma estranha calma, meu pai virou para trás e perguntou se queríamos sorvete, assim, no meio de carros raspando e buzinas disparando. Pulamos de alegria, cada um escolheu um sabor. Então ele pediu para que ficássemos quietos dentro do carro e saiu. Voltou um tempo depois com as mãos cheias de picolés. Deu um para cada um, abriu o capô e enquanto chupava o seu picolé, segurou o outro sobre a bomba de gasolina do carro. Nos lambuzamos e em pouco tempo ele fecha o capô, entra no carro, dá a partida e sai tranquilamente, como se nada tivesse acontecido. Curioso para saber o que tinha feito com aquele sorvete que estava sobrando, ele me responde que estava muito calor e que a Perua chupou todo o picolé, deixando só o palito. Simples assim. Só entendi muito tempo depois.

Outros tantos momentos como esse aconteceram, a maioria virou apenas flashes de memória. Um desses flashes traz a imagem nítida da minha mãe rezando o terço na descida da serra para Santos, preocupada com uma tal de Curva da Onça.

Um certo dia meu pai resolveu vender a Perua, cansado das reclamações da minha mãe que, por sua vez, estava cansada de empurrar aquele monstro sobre rodas. Um senhor passou pela rua, viu a placa, parou, trocou algumas palavras e fechou o negócio. Chorei, enquanto minha mãe comemorava. No dia seguinte, arrependido, meu pai procurou o sujeito e tentou desfazer o acordo, chegou a oferecer mais do que havia recebido, mas o comprador estava feliz e não aceitou. Nunca mais soube dela.

Outro dia encontrei essa foto na internet, uma Dodge idêntica, com a mesma cor e o mesmo jeito. Gosto de pensar que a mesma.

Meus Carros – O primeiro

jeepedal

Amo carros. Um amor intenso, uma atração que faz parte do meu DNA. A minha lembrança mais remota da infância é sentado num chão cercado de carrinhos de plástico barato, um tipo de brinquedo que não existe mais, réplicas feitas de um plástico mole, moldadas numa forma única, destacando-se apenas as rodas, presas por eixos de metal. Rodas que se soltavam com facilidade, um perigo para as crianças, muitos acidentes devem ter acontecido com garotos entupindo as gargantas com elas ou se espetando com os eixos. Nada grave comigo, só uns arranhões que deixaram algumas marcas. Toda vez que minha mãe se despedia, indo para as compras na feira, pedia um novo carrinho, às vezes ganhava, muitas não. Minha maior diversão era recortar as portas e os capôs, imaginando que dentro deles encontraria os bancos, o volante, o painel e, quem sabe, uns bonequinhos. Claro que era uma fantasia boba, mas insistia na possibilidade, tanto que levava uns tapões na bunda, com minha mãe irritada por ter destruído outro fusca.

Nos anos 70, automóvel novo só era possível para quem tinha muito dinheiro. As famílias de classe média baixa ficavam felizes quando possuíam um carro velho. A esperança era encontrar a sorte nos carnês do Baú da Felicidade. Havia na minha casa uma gaveta com muitos carnês pagos, com o sorriso do apresentador. Lembro da minha empolgação quando, num passeio de domingo, cruzamos com uma carreata de fuscas novos, enfeitados com balões, guiados por felizes sorteados no Programa Silvio Santos, saindo da Vimave.

Carro era o sonho coletivo, turbinado pelos programas dominicais, as músicas da Jovem Guarda e pelas vitórias de Emerson Fittipaldi.

Um certo dia, saí com minha mãe para uma longa caminhada, até uma enorme loja de tecidos no Jaçanã, onde ela compraria um lote de panos para confeccionar as roupas da família. Usar “roupa pronta” era um luxo distante para nós. Na volta, passamos na casa “da comadre”, madrinha da minha irmã. Quando entrei no quintal, topei com a coisa mais maravilhosa que poderia existir, um Jipinho de pedal, feito de lata, lindo, pintado num verde oliva do exército, com rodinhas brancas e calotinhas vermelhas. Fiquei encantado. O filho da madrinha era bonzinho e cedeu alguns instantes de felicidade, deixando-me sentar naquele sonho sobre rodas.

Chorei muito no momento da despedida. Depois, quando cheguei em casa, tive febre, daquelas que deixam a mãe preocupada, pois não abaixava mesmo depois da medicação. Uns dois dias se passaram e minha mãe já tinha me levado para umas duas benzedeiras, sem resultado. Já planejava o último recurso, me carregar na madrugada seguinte para um atendimento no “ienepê esse”.

Porém meu pai não demorou a descobrir o remédio, naquela noite chegou com um Jipinho novo nas costas, idêntico ao que tinha me encantado. Essa cena de felicidade extrema está gravada para sempre e adoro relembrá-la.

Esse Jipinho se tornou o meu maior companheiro, não me contentava só com o quintal, saía pelas calçadas, circulando pelo quarteirão, todos os dias, sob sol intenso, sem nunca cansar. Adorava manobrá-lo para frente e para trás, com balizas perfeitas encaixando entre caixas de garrafas vazias. Outras crianças da rua também curtiram meu carro, revezando nas ladeiras, muitas vezes freando só na beira das guias.

A despedida não poderia ser mais triste, saiu da minha vida amontoado numa carroça, totalmente enferrujado, amassado e sem rodas. Pequeno para as minhas pernas compridas, mas com a sua missão cumprida.

Carros que gostaria de ter…

Lada Niva, quando foi lançado no Brasil, tive o privilégio de sentar num zerinho que estava exposto numa loja da Praça da República em São Paulo.

Por pouco não comprei, fiz as contas e naquela época de inflação alta preferi não arriscar uma prestação que poderia me levar à falência. O sonho foi adiado e nunca mais realizado, outras prioridades foram aparecendo.

Quando vejo um Niva cruzando meu caminho, relembro aquele primeiro contato, com o carrinho cheirando a novo. Quem sabe um dia… Em 2008 disseram que voltariam a importá-lo e venderiam por 30 mil, cheguei a me empolgar, fazendo as contas para encomendar o meu em longas prestações, mas pelo jeito o negócio furou.

A esperança não acabou, a AutoVaz fabrica até hoje o carrinho, do mesmo jeito, quem sabe um dia voltam a importá-lo, ou encontre um antigo, totalmente original, com um preço bom.

O retorno da dupla


Pena Branca & Xavantinho formaram uma das melhores duplas de música caipira de todos os tempos. Talvez empatados apenas com Tonico & Tinoco. Música raiz, de qualidade, longe do apelo pop das duplas atuais, mas com uma sensibilidade sonora maravilhosa. Impossível não se emocionar ouvindo suas gravações.

Xavantinho foi mais cedo, Pena Branca agora. Ambos numa despedida precoce, mas aonde quer que estejam, devem estar felizes, finalmente juntos.

O cd “Renato Teixeira & Pena Branca e Xavantinho – Ao vivo em Tatuí” não sai do meu MP3, hoje ouvi como faço quase todos os dias, mas com uma dor de saudade.

“Meus queridos amigos, aceitem de coração aquele abraço apertado, boa noite do Pena Branca. Boa noite gente!”