Por que preciso de uma atualização?


Quem viveu a delícia de crescer na segunda metade do século XX, por mais moderno que tente se manter e, mesmo sem se dar conta, jamais poderá se acostumar por completo com um fenômeno típico do século XXI, a atualização.

Não me refiro aqui ao conceito esclarecido por Pierre Levy, mas em como percebi minha vida se transformar, nem sempre para melhor, quando tudo em minha volta se atualizou e se tornou atualizável.

Penso até que inventaram a atualização para fazer com que as coisas funcionem pior.

Para que o jovem leitor possa me entender, antes vivíamos bem se tivéssemos um salário suficiente para cobrir o aluguel, os serviços públicos e a caderneta do botequim. Telefones serviam para falar com as pessoas que estivessem mais distantes, televisores para assistir aos programas, rádio para músicas e noticiários, além de outras coisas óbvias como toca-discos e máquinas de escrever.

Com o uso, quebravam e iam para o conserto. Quando não havia mais como remendar, tínhamos prazer em gastar as economias para comprar algo mais novo, que pudesse durar mais. 

Hoje, antes mesmo de descobrir todas as funções dos menus, chega a frustração. Basta saber que atualizaram o modelo.

O inferno começou quando alguns nerds tiveram a ideia de criar computadores menores.

Minha máquina saiu de cena para dar lugar para um notebook, distante da ideia de um caderno de anotações.

Antes, bastava uma folha de papel e uma boa fita de poliester para que eu pudesse escrever o que bem entendesse. Acredite, desde que comecei essas linhas, há cinco minutos, meu moderno sistema já me avisou três vezes, com janelas, que será preciso reiniciar, por motivos diferentes. Me sinto pressionado para aceitar suas ordens.

O alerta de antes vinha do sino, próximo do fim da linha, e nunca irritava.

Meu carro novo apresentou alguns defeitos que nenhum mecânico era capaz de consertar. Só foram corrigidos quando a fábrica liberou uma atualização no sistema de injeção. Meu Fusca, no entanto, há mais de 35 anos continua da mesma forma, econômico e confiável, apesar da gasolina oficialmente batizada.

Também dizem que a fotografia, uma das minhas paixões, se transformou na era digital. É verdade. Mais pessoas podem fotografar a qualquer instante, sem custos e surpresas de revelação.

Mas houve mesmo uma transformação? Não estou certo se a revolução tecnológica fez a genialidade proliferar, afinal, quantidade não implica em qualidade. Mas tenho certeza que fotografar perdeu um pouco da graça, já que não há mais surpresas de revelação.

Pareço rabugento? Talvez também precise de uma atualização. Mas, enquanto isso não acontece, como ser diferente?

Toda vez que adoto uma novidade, enfrento dificuldades. Outro dia, perdido no trânsito, recorri ao GPS do smarthphone, que estava perfeito no dia da compra, mas se mostrou inútil quando necessário. Salvei o Guia da pilha de reciclagem.

Não me levem a mal. Já fui um entusiasta dos gadgets. Pirava com tudo que fosse mais moderno. Devo ter sido um dos primeiros caras a gastar uma pequena fortuna para ter um MP3.

Com o tempo, atualizei meus conceitos e percebi que nem sempre o atual é o melhor.

Também perdi a vergonha de parecer piegas, por isso posso dizer que a felicidade, muitas vezes, está nas coisas simples.


O mecânico




O homem não era de muitas paixões, pelo menos não costumava fazer declarações a respeito, nem mesmo para as pessoas mais próximas. No entanto, não deixava de demonstrar seus gostos com pequenos gestos, mas negava caso fosse confrontado, simplesmente porque acreditava que era preciso ser assim.

Com orgulho, só assumia a sua profissão, mecânico de máquinas industriais, um título que se misturava a sua personalidade, já que mesmo depois de ter deixado o trabalho com os equipamentos, mantinha o método nas demais atividades.

Resolvia os problemas como quem procura uma engrenagem defeituosa e sentia prazer ao ver a vida funcionando com precisão. Isso talvez explique a dificuldade em lidar com as pessoas, ainda mais quando resolviam contrariá-lo.

Com a chegada da velhice, passou a ter um relaxamento natural, como as folgas afrouxadas de uma máquina, mas ainda firme na maioria das ações.

Deixou muitas histórias. Entre elas, a forma involuntária como me despertou para a fotografia, um dos seus gostos secretos.

Não demonstrava o menor interesse pela técnica ou pela arte, simplesmente gostava de registrar a vida para ver e mostrar para as pessoas.

Se emocionava quando contava a história do seu primeiro retrato, tirado depois de ter conseguido comprar seu primeiro terno, já adolescente, com o dinheiro acumulado pela venda de morangos silvestres, colhidos nos campos de uma província do sul da Itália, e oferecidos aos soldados, após o final da 2ª Guerra.

No Brasil, logo depois da imigração e os primeiros salários, comprou sua máquina fotográfica com lentes gêmeas, de segunda ou terceira mão, Flexaret, de origem tcheca, sem qualquer tradição, mas com boa qualidade e preço baixo.

Com ela, registrava os momentos familiares em filmes de médio formato, revelados em preto e branco. Com a chegada dos primeiros coloridos, fez várias outras fotos, puxadas com um vermelho magenta.

A mim só era permitido observar a cerimônia com que retirava a capa marrom com forro vermelho da câmera e abria o capuz para visualizar o foco. Caso quisesse também ser fotografado, armava um tripé e o temporizador.

Isso até que um dia, sem saber bem o motivo, quis fazer um selfie na praia, em uma época que isso se chamava autorretrato. Estávamos só nós dois, sem um tripé que livrasse a câmera da areia.

Então, em um instante mágico, deixou o equipamento nas minhas mãos, mostrando como deveria focalizar e clicar. Enquanto eu buscava o melhor enquadramento, centralizado segundo suas orientações, fui aprisionado pelo prazer de fotografar.

Na saída do laboratório, me senti elogiado por não ter recebido um puxão de orelha.

Bem mais tarde, chorei ao vê-lo apenas no álbum de família.