O mecânico




O homem não era de muitas paixões, pelo menos não costumava fazer declarações a respeito, nem mesmo para as pessoas mais próximas. No entanto, não deixava de demonstrar seus gostos com pequenos gestos, mas negava caso fosse confrontado, simplesmente porque acreditava que era preciso ser assim.

Com orgulho, só assumia a sua profissão, mecânico de máquinas industriais, um título que se misturava a sua personalidade, já que mesmo depois de ter deixado o trabalho com os equipamentos, mantinha o método nas demais atividades.

Resolvia os problemas como quem procura uma engrenagem defeituosa e sentia prazer ao ver a vida funcionando com precisão. Isso talvez explique a dificuldade em lidar com as pessoas, ainda mais quando resolviam contrariá-lo.

Com a chegada da velhice, passou a ter um relaxamento natural, como as folgas afrouxadas de uma máquina, mas ainda firme na maioria das ações.

Deixou muitas histórias. Entre elas, a forma involuntária como me despertou para a fotografia, um dos seus gostos secretos.

Não demonstrava o menor interesse pela técnica ou pela arte, simplesmente gostava de registrar a vida para ver e mostrar para as pessoas.

Se emocionava quando contava a história do seu primeiro retrato, tirado depois de ter conseguido comprar seu primeiro terno, já adolescente, com o dinheiro acumulado pela venda de morangos silvestres, colhidos nos campos de uma província do sul da Itália, e oferecidos aos soldados, após o final da 2ª Guerra.

No Brasil, logo depois da imigração e os primeiros salários, comprou sua máquina fotográfica com lentes gêmeas, de segunda ou terceira mão, Flexaret, de origem tcheca, sem qualquer tradição, mas com boa qualidade e preço baixo.

Com ela, registrava os momentos familiares em filmes de médio formato, revelados em preto e branco. Com a chegada dos primeiros coloridos, fez várias outras fotos, puxadas com um vermelho magenta.

A mim só era permitido observar a cerimônia com que retirava a capa marrom com forro vermelho da câmera e abria o capuz para visualizar o foco. Caso quisesse também ser fotografado, armava um tripé e o temporizador.

Isso até que um dia, sem saber bem o motivo, quis fazer um selfie na praia, em uma época que isso se chamava autorretrato. Estávamos só nós dois, sem um tripé que livrasse a câmera da areia.

Então, em um instante mágico, deixou o equipamento nas minhas mãos, mostrando como deveria focalizar e clicar. Enquanto eu buscava o melhor enquadramento, centralizado segundo suas orientações, fui aprisionado pelo prazer de fotografar.

Na saída do laboratório, me senti elogiado por não ter recebido um puxão de orelha.

Bem mais tarde, chorei ao vê-lo apenas no álbum de família.