Fotografia: filme ou digital?

Essa discussão foi muito debatida por um tempo, fotografia digital ou analógica? Em princípio não concordo muito com essa classificação "digital" e "analógica", porque simplesmente não dá pra taxar os métodos dessa forma absoluta. Prefiro diferenciar pelo que realmente diferencia um tipo de câmera de outro, ou seja, um essencialmente captura a imagem através de um processo físico/químico, com filme e processo de revelação e outro captura através de um processo físico/eletrônico, transformando sinais digitais em imagem. Pronto! Vou chamar foto digital o novo processo e foto com filme o processo clássico. Mas a essa altura, ficou cansativo discutir sobre qual é a melhor, apesar de as opiniões não terem chegado a um consenso, provavelmente nunca vão chegar. O que vale é saber se a nova tecnologia irá substituir completamente a outra.

Os profissionais mais antigos, distantes dos grandes centros, resistem à mudança o quanto podem, não sei se por falta de grana para investir nos dispendiosos equipamentos digitais ou realmente porque acreditam nos seus argumentos. Conversei com alguns e todos foram unânimes em dizer que fotografar com filme ainda se obtém os melhores resultados, dizem que a qualidade obtida com o filme é superior à impressão digital e não precisam gastar tempo tratando cada imagem com o Photoshop, uma insanidade em se tratando de um volume muito grande de trabalho.

Provavelmente ignoram a evolução dos equipamentos profissionais, cujas câmeras já atingem mais de 20 megapixel de resolução, com uma qualidade ótica surpreendente. No entanto, uma câmera dessas chega a custar em torno de R$15 mil, ou seja, o equivalente a umas 10 câmeras profissionais de filme. Argumentam fortemente também que eletronicamente será muito difícil obter o nível de resolução do processo químico.

Outra onda, a Lomografia, tem como princípio a fotografia com filme, com câmeras baratas, buscando exposições, ângulos e efeitos inesperados. Parece estar contagiando muita gente pelo mundo.

No entanto, profissionais top, como fotógrafos de moda, publicidade, jornalismo, com um volume de trabalho que exige dinamismo e qualidade, além de boa remuneração, já converteram suas ferramentas para o modo digital e não têm como voltar atrás.

Mas a indústria da fotografia não vive do trabalho de profissionais e de grupos restritos, quem a mantém são as pessoas comuns, aquelas que precisam registrar seus momentos felizes e mostrá-los para os amigos. Para esse público, não há dúvida, melhor mesmo é o equipamento digital, pois permite fotografar com total liberdade, testar quantas vezes quiser e simplesmente apagar as imagens que não ficaram boas, com custo insignificante.

Então, o ideal do Sr. Eastman, fundador da Kodak, finalmente se concretizou, a fotografia ficou popular. Vale tudo, sem pudores. Todos registram tudo, até a unha do pé, e divulgam na internet, para que possa ser observada e comentada nos espaços virtuais.

A Kodak e a FujiFilm, maiores fabricantes de material fotográfico (processo químico) fecharam suas unidades fabris no Brasil, com uma forte tendência de acabarem com toda a produção mundial.

E daí? Já está acabando tarde! - diriam os entusiastas da nova tecnologia. Confesso que já me coloquei nesse coro, aliás, fui um dos primeiros. Adquiri uma das primeiras digitais lançadas no mercado, com qualidade VGA e sem tela de LCD e depois só fui evoluindo as minhas aquisições, até chegar a um equipamento razoável, pelo menos por enquanto.
Mas a pouco passei a refletir sobre os rumos dessa indústria e me assustei com o que percebi: A fotografia digital é cara e gera, mais do que imagens, uma montanha de máquinas descartáveis.

A um ano, minha Nikon D80 era fantástica, agora o novo modelo, uma Nikon D90, traz muito mais recursos pelo mesmo preço. Para me manter atualizado precisarei me desfazer da minha câmera praticamente nova para adquirir o novo modelo? Provavelmente é uma insanidade consumista, diriam alguns agora, mas e daqui a três ou quatro anos?

Minha velha Nikon F3, que já comprei muito usada a 20 anos continua produzindo boas fotos, basta colocar um filme e sair clicando. Aliás, minha primeira câmera, uma Yashica Electro 35, se ainda fosse minha, certamente também estaria produzindo ótimas imagens. Por quê? Ora, porque a construção dessas câmeras é extremamente robusta e porque, no caso delas, a qualidade das fotos depende basicamente do filme e da objetiva. A câmera é simplesmente um conjunto mecânico.

Será que em 20 anos a linda tela LCD da minha D80 estará funcionando perfeitamente? Duvido.
Muitos respondem a isso dizendo que não querem mesmo que um equipamento dure tanto tempo. Mas e a memória afetiva? Os mais jovens não ligam pra ela, mas para o pessoal da minha geração, a afetividade é levada em conta.

O baixo custo da fotografia digital é uma ilusão, uma mentira fácil de acreditar. Certamente já gastei em pouco tempo muito mais em máquinas fotográficas, cartões de memória, carregadores, baterias, discos, computador, softwares e impressão do que gastei em muito mais tempo com uma câmera analógica, filmes e revelação.

Guardo minha Nikon F3 porque ela esteve presente em grandes momentos da minha vida, registrou meu namoro, casamento, nascimento do meu filho. Como posso taxar um preço nesse valioso objeto e dispô-lo num Mercado Livre para cair em mãos descuidadas?

Da mesma forma, meu pai guarda com carinho uma velha câmera Tcheca (não lembro a marca), tipo TLR, toda enferrujada, emperrada e cheia de fungos, no estojo original. Afinal, foi nela que registrou a infância dos seus cinco filhos. Cada foto com uma história.

Mais do que a durabilidade e história dos equipamentos, o fim da fotografia com filme pode significar o fim de uma era. Tão significativo como se de um dia para o outro a Coca-Cola fosse extinta.

Algo parecido aconteceu com os discos de vinil. Um certo dia, com meu toca-discos quebrado e substituído por um Cd Player, empilhei meus vinis e peguei uns trocados num sebo próximo.

Hoje me arrependo. Muitos discos tinham sido presentes, com dedicatórias de pessoas queridas que não reencontrei. Sinto saudade do ruído da agulha.

A fotografia já passou por um processo anterior de modernização e a indústria foi ágil na mudança. Antes, o comum era fotografar em P&B. Fotos coloridas eram caras e o resultado era estranho. Hoje, quem quiser fotografar em P&B precisará desembolsar um valor considerável por um rolo de filme e muitas vezes mais para revelá-lo. Todos concordam que a fotografia P&B tem um charme especial que não pode ser substituído por um efeito de Photoshop. É provável que com o filme colorido aconteça a mesma coisa em pouco tempo, com um uso muito restrito e um charme perdido. Adeus ao friozinho na barriga na hora de ver o resultado revelado, adeus à raiva ou à satisfação no balcão da loja.

Alguns diriam que a mudança é uma evolução natural da indústria, como foram substituídas as placas de chumbo do século retrasado pelo celulóide e que na essência a fotografia continua a mesma. Talvez...

Mas resolvi que vou lutar o quanto posso para evitar esse processo. Voltarei a fotografar com filme, paralelo aos meus registros digitais. E se cada um fizer isso, gastar uns filminhos de vez em quando, não irá lamentar o fim de uma era.

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