Meus Carros – O primeiro

jeepedal

Amo carros. Um amor intenso, uma atração que faz parte do meu DNA. A minha lembrança mais remota da infância é sentado num chão cercado de carrinhos de plástico barato, um tipo de brinquedo que não existe mais, réplicas feitas de um plástico mole, moldadas numa forma única, destacando-se apenas as rodas, presas por eixos de metal. Rodas que se soltavam com facilidade, um perigo para as crianças, muitos acidentes devem ter acontecido com garotos entupindo as gargantas com elas ou se espetando com os eixos. Nada grave comigo, só uns arranhões que deixaram algumas marcas. Toda vez que minha mãe se despedia, indo para as compras na feira, pedia um novo carrinho, às vezes ganhava, muitas não. Minha maior diversão era recortar as portas e os capôs, imaginando que dentro deles encontraria os bancos, o volante, o painel e, quem sabe, uns bonequinhos. Claro que era uma fantasia boba, mas insistia na possibilidade, tanto que levava uns tapões na bunda, com minha mãe irritada por ter destruído outro fusca.

Nos anos 70, automóvel novo só era possível para quem tinha muito dinheiro. As famílias de classe média baixa ficavam felizes quando possuíam um carro velho. A esperança era encontrar a sorte nos carnês do Baú da Felicidade. Havia na minha casa uma gaveta com muitos carnês pagos, com o sorriso do apresentador. Lembro da minha empolgação quando, num passeio de domingo, cruzamos com uma carreata de fuscas novos, enfeitados com balões, guiados por felizes sorteados no Programa Silvio Santos, saindo da Vimave.

Carro era o sonho coletivo, turbinado pelos programas dominicais, as músicas da Jovem Guarda e pelas vitórias de Emerson Fittipaldi.

Um certo dia, saí com minha mãe para uma longa caminhada, até uma enorme loja de tecidos no Jaçanã, onde ela compraria um lote de panos para confeccionar as roupas da família. Usar “roupa pronta” era um luxo distante para nós. Na volta, passamos na casa “da comadre”, madrinha da minha irmã. Quando entrei no quintal, topei com a coisa mais maravilhosa que poderia existir, um Jipinho de pedal, feito de lata, lindo, pintado num verde oliva do exército, com rodinhas brancas e calotinhas vermelhas. Fiquei encantado. O filho da madrinha era bonzinho e cedeu alguns instantes de felicidade, deixando-me sentar naquele sonho sobre rodas.

Chorei muito no momento da despedida. Depois, quando cheguei em casa, tive febre, daquelas que deixam a mãe preocupada, pois não abaixava mesmo depois da medicação. Uns dois dias se passaram e minha mãe já tinha me levado para umas duas benzedeiras, sem resultado. Já planejava o último recurso, me carregar na madrugada seguinte para um atendimento no “ienepê esse”.

Porém meu pai não demorou a descobrir o remédio, naquela noite chegou com um Jipinho novo nas costas, idêntico ao que tinha me encantado. Essa cena de felicidade extrema está gravada para sempre e adoro relembrá-la.

Esse Jipinho se tornou o meu maior companheiro, não me contentava só com o quintal, saía pelas calçadas, circulando pelo quarteirão, todos os dias, sob sol intenso, sem nunca cansar. Adorava manobrá-lo para frente e para trás, com balizas perfeitas encaixando entre caixas de garrafas vazias. Outras crianças da rua também curtiram meu carro, revezando nas ladeiras, muitas vezes freando só na beira das guias.

A despedida não poderia ser mais triste, saiu da minha vida amontoado numa carroça, totalmente enferrujado, amassado e sem rodas. Pequeno para as minhas pernas compridas, mas com a sua missão cumprida.

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