Pílulas Roseanas

"(...)O sucesso, que vindo não se sabe donde e como; alguém me disse, que estava lá; jurou como foi.
Mas - de repente - eu temi? A meio, a medo, acordava, e daquele estro estrambótico. O que: aquilo nunca parava, não tinha começo nem fim? Não havia tempo decorrido. E como ajuizado terminar, então? Precisava. E fiz uma força, comigo, para me soltar do encantamento. Não podia, não me conseguia - para fora do corrido, contínuo, do incessar. Sempre batiam, um ror, novas palmas. Entendi. Cada um de nós se esquecera de seu mesmo, e estávamos transvivendo, sobrecrentes, disto: que era o verdadeiro viver? E era bom demais, bonito - o milmaravilhoso - a gente voava, num amor, nas palavras: no que se ouvia dos outros e no nosso próprio falar. E como terminar?
Então, querendo e não querendo, e não podendo, senti: que - só de um jeito. Só uma maneira de interromper, só a maneira de sair - do fio, do rio, da roda, do representar sem fim. Cheguei para a frente, falando sempre, para a beira da beirada. Ainda olhei, antes. Tremeluzi. Dei a cambalhota. De propósito, me despenquei. E caí.
E, me parece, o mundo se acabou.(...)
trecho de "Pirlimpsiquice" em Primeiras Estórias - Guimarães Rosa



Não pretendo usar esse espaço para fazer análises literárias, nem tenho competência para tanto. Gosto da idéia de que alguém possa ler esse pequeno trecho, um átomo do universo de Guimarães Rosa, e se sentir provocado a experimentar uma leitura mais completa, profunda, merecida. Quem sabe?

Mas sempre vale a pena uma pausa para reflexão: Quantos de nós não transvivemos e esquecemos de nós mesmos? Com sucesso - milmaravilhoso - ou não, temos coragem de dar a cambalhota?

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