Silvio Santos e a Corrida de Fórmula B


Dizem que é brega, que já está ultrapassado e que não aguentam mais. Mas quando podem, assistem.

Apesar da idade, das fórmulas velhas e ultrapassadas, das gags, das frases batidas e esgarçadas, Silvio Santos continua divertindo a todos.

Muita gente não sabe ou não se lembra que SS era a principal estrela da TV Globo, isso mesmo, dominava todo o domingo com seus programas, aliás, o domingo só começava quando ele aparecia na tela, com a animada canção “Silvio Santos vem aí, lá lá, la ra la lá!”, estendia-se durante todo o dia e finalizava com a Praça da Alegria, comandada por Manoel da Nóbrega. Saiu, foi para a Tupi, o programa chegou a ser transmitido simultaneamente com a TV Record, de sua propriedade, pelo menos em São Paulo. A Globo, sem Silvio, transmitia só as séries e filmes americanos, a famosa fase dos enlatados, e perdia feio na audiência. Não tenho os dados, mas garanto que o dono do Baú mantinha mais de 80% da audiência.

As famílias brigavam por um espaço no sofá, todos, juntos, colados, assistindo ao programa, interminável, rindo, comentando e se divertindo.

Mais ou menos nessa época, quando a base do animador era o Cine Teatro Sol, na Av. Ataliba Leonel, mais tarde batizado como Teatro Silvio Santos, no bairro do Carandiru, numa estrutura quase mambembe, vi o ídolo das famílias ao vivo e, principalmente, em cores.

No mesmo bairro havia um fotógrafo que cobrava mais barato por fotos de documentos, com revelação na mesma hora. A escola exigia que entregasse 2 fotos 3X4, para fazer a Carteirinha do Estudante, para quem não se lembra, uma carteirinha com a identificação do aluno na capa, nas primeiras páginas trazia hinos nacionais, seguida por várias páginas a serem carimbadas com “presente” e “ausente” e, no miolo, o temido boletim. A maior parte do ano ficava desatualizada, mas era uma bela carteirinha, volumosa, parecida com uma Carteira Profissional, cheia de folhas. Adorava! Carregava orgulhoso a minha, no bolso da camisa branca da escola, completando o uniforme com calça de tergal azul e sapato preto, de couro, bico de pato.

Enfim, numa tarde depois da escola seguimos, minha mãe e eu, para o tal fotógrafo, numa roupa caprichada, com o pente no bolso, para sair bonito na chapa. Uma viagem de ônibus, o ponto era próximo da loja. Mas para a volta era preciso voltar um bom pedaço a pé. No caminho, passamos em frente ao famoso teatro, com um movimento frenético de mulheres na calçada. Minha mãe arriscou e perguntou a uma delas o que estava acontecendo, soube que estavam gravando um programa do Silvio Santos, mas que estavam para fora porque havia dado problema numa câmera.

Quase no mesmo instante apareceu um sujeito na porta do teatro e pediu que todas entrassem porque recomeçaria a gravação. Minha mãe, curiosa para ver o apresentador, popular desde a sua juventude, quis entrar junto. Sabia que a platéia era exclusivamente feminina, mas falou com o segurança para que me deixasse entrar, só por um tempinho. O sujeito olhou para mim, não viu uma grande ameaça no alto dos meus 8 ou 9 anos e consentiu com a cabeça.

Entramos, sentamos, a platéia silenciou e logo entrou aquele homem, que antes para mim só existia dentro da tela, em carne e osso, quase pálido, não fosse a maquiagem, vestindo um autêntico terno da Camelo, marca que fazia questão de anunciar. A mesma voz, mais alta, mais clara, encheu os ouvidos do auditório, a claquete exigia palmas, o show estava começando, Corrida de Fórmula B, um programa de perguntas em que dois competidores exageradamente maquiados e ridiculamente vestidos, disputavam um prêmio. Mas no meio da gravação, uma voz manda parar. A câmera havia pifado mais uma vez.

Ih, que droga, minha mãe, já preocupada em chegar rápido em casa para dar tempo de botar o feijão de molho e preparar o jantar para o meu pai que chegaria faminto do trabalho, não poderia esperar. Tive certeza que sairíamos naquele instante. Mas Silvio sabia que a platéia era importante, então, pediu uma rápida licença, talvez para um gole de água, e logo voltou exibindo uma animação ainda maior do que a gente se acostumou a ver nos programas. Veio para perto da gente, no meio da platéia, brincou com todo mundo, conversou, contou piadas, nosso amigo íntimo a muito tempo, mostrando simplicidade e aumentando ainda mais o seu carisma. Com a câmera quebrada, o show tinha ficado ainda melhor.

Depois de um tempo aproveitando do seu convívio, precisamos sair, o medo de perder o ônibus e demorar para chegar em casa era maior em minha mãe.

Nunca mais pude ver o patrão do SBT desse jeito, acho que nem minha mãe, que hoje nem precisa se preocupar em correr para cozinhar tanto feijão. Mas garanto que Silvio Santos está em sua casa todos os domingos, junto com o cheiro de caramelo de pudim e do molho de tomate sendo cozido por horas, com perfume de manjericão.

2 comentários:

Anônimo disse...

Seus textos são ótimos!

Sidinei

Anônimo disse...

Ahhhh vc conhece o dono do SBT?
Mas vc é chic demais!!!
Sabe que assim como o Sidinei, eu adoro seus textos, e confesso senti o cheiro de caramelo e do molho de tomate com perfume de manjericão!!!!
MAis uma vez parabéns pela sensibilidade em escrever seus textos!
Um abraço
Dri